domingo, 18 de fevereiro de 2018

The Little Book of Hygge (resenha)



"Hygge" (pronuncia-se "ruga", ou quase isso) é um conceito dinamarquês de difícil tradução, mas que se relaciona a conforto, segurança, e o hedonismo epicúreo dos prazeres da vida simples na companhia dos bons amigos. Embora isso possa ser alcançado em qualquer lugar do mundo, os dinamarqueses elevam a ideia ao nível de arte e estilo de vida, o que inclui seus fetiches específicos (velas e iluminação leve, livros, cores amenas, janelas e lareiras, etc.). Hygge é, segundo o autor, um dos motivos de os dinamarqueses serem considerados, ano após ano, as pessoas mais felizes do mundo.

O livro, que é de fato pequeno (mas muito bonito) explica passo a passo o que é Hygge e como recriá-lo fora da Dinamarca. Apesar das instruções claras, o brasileiro encontrará grandes dificuldades: quase tudo foi pensado para o clima frio e escuro da Escandinávia, e é impossível no Brasil. Quem aqui no verão (ou mesmo no inverno!) colocaria meias e um suéter, sentando-se ao lado de uma lareira vendo a neve cair pela janela de seu Hyggekrog? O conceito foi pensado para amenizar o clima de frio quase constante da Escandinávia, mas o nosso problema é outro: o calor extremo. Por isso fica a sugestão: tente traduzir a ideia para a sucursal do inferno que é o verão brasileiro.

Outra dificuldade do livro é financeira: os dinamarqueses recebem bons salários, e mesmo os desempregados tem o estado do bem-estar social para ampará-los, de modo que o Hygge se torna alcançável para eles: quase como feng-shui existe toda uma combinação de fatores, arquitetônicos e decorativos, pensados para maximizar o Hygge. Embora o autor dê boas sugestões de como alcançar o Hygge com pouco dinheiro, e inclusive afirme que o fator monetário é irrelevante, duvido que o resultado seja realmente tão agradável quanto o esperado. Pode-se dizer que Hygge é, essencialmente, uma coisa da classe média, que é grande nos países nórdicos, mas cada vez menor no Brasil.

Apesar dos problemas fica a sugestão de um bom livro com ótimas ideias. As fotos em especial são muito bonitas, de modo que este é um ótimo coffee table book para se folhear de vez em quando e buscar ideias bacanas para tornar nossas vidas mais agradáveis.


sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Carta aos jovens sobre a utilidade da literatura pagã (Resenha)

Não conhecia são Basílio, então este pequeno livro foi uma baita descoberta. Ele foi um defensor infatigável da ortodoxia cristã, em especial contra os arianos, e um professor amado por todos, e que continua nos ensinando através dos séculos.

A edição primorosa da Ecclesiae de bolso contém uma boa introdução, com vários textos (incluindo dois do papa emérito) e, além da excelente carta de orientação aos jovens quanto à litertaura pagã, ainda duas homilias: uma sobre o desapego às coisas terrenas e outra sobre a humildade, sendo que ambas as homilias estão intimamente ligadas ao conteúdo da carta, servindo de complemento e expansão a alguns temas que ele aborda, na carta, apenas de passagem.

"O que Atenas tem a ver com Jerusalém?", questão proposta por Tertuliano ainda nos primeiros anos da Igreja cristã, é na carta respondida pelo santo, que mostra que a leitura dos clássicos gregos e latinos, desde que realizada com discernimento, pode ser uma grande ferramenta para o crescimento espiritual do cristão e da Igreja.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

A ninfa inconstante (resenha)

.

Minha impressão inicial foi desagradável: prosa forçada, com aparente erudição pretensiosa, trocadilhos irritantes e diálogos nem um pouco convincentes. Mas foi bom ter continuado, pois o livro realmente melhora, apesar de continuar do mesmo jeito do começo ao fim: é que o autor consegue juntar tudo muito bem e criar algo realmente especial. 

Para simplificar dá pra dizer que o livro é Lolita passado no Caribe, mais especificamente na Havana pré-revolucionária, com tudo que ela tinha de bom (e ruim). Aliás, Cabrera Infante faz nesse livro um esforço memorialista muito grande, e ele é uma ode a Havana antes de ser uma ode a Estela. Para quem se interesse pela vida dos nossos hermanos da ilha, a obra é uma boa pedida. Quanto à semelhança com o livro do Nabokov, ela está mais na aparência (homem de letras que se envolve com uma moça mais jovem) do que no desenvolvimento, já que a relação é bem menos problemática do ponto de vista legal e moral: com 16 anos Stella já é maior de idade segundo a lei da ilha, pelo menos à época. Logo, a obra é bem menos escandalosa, mas tem lá sua problemática com relação a esse relacionamento, que não tem nada de amor e bem pouco de desejo, mostrando duas pessoas problemáticas se arrastando por um mundo ainda mais problemático.

O livro é relativamente curto, além de ser uma leitura que não exige muito esforço, gostos de ler e devorado com facilidade, o que é bom, em especial levando em conta que o autor busca (e consegue) oferecer literatura de verdade. É um dos melhores livros que já li? Não, mas não me arrependo da leitura, e ainda a recomendo, em especial como uma leitura mais leve entre outras mais exigentes, ou um interlúdio entre leituras de não-ficção. Não conheço o resto da obra do homem, mas o livro me interessou suficientemente para buscar conhecer mais dos seus escritos.