sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Livros: os favoritos de 2017



Este ano que está quase acabando foi atípico: tive que dar aulas de Língua Portuguesa e Literatura para turmas do Ensino Médio (o que até então não fizera) e por isso tive que me atualizar, lendo e relendo muita literatura brasileira, deixando de lado Filosofia, Teologia e Política, além de alguns preconceitos. Foi um ano produtivo, de descobertas e surpresas, e apesar da falta de tempo, consegui ler bastante, embora apenas uma pequena parcela dos livros tenha se destacado. Decidi fazer uma lista dos favoritos, e aí estão:

A profundidade dos sexos, de Fabrice Hadjadj

Fabrice Hadjadj é uma figurinha estranha: francês de nascimento, judeu pelo sangue, com nome árabe, e católico em um meio cada vez mais anti-cristão; era de se esperar que sua obra fosse tão cosmopolita quanto ele, misturando referências numa salada agradável, mas desafiadora aos paladares menos aventureiros. 

O livro busca investigar o sexo em seus diferentes aspectos de forma inovadora: a relação mística entre carne e espírito no que se refere às diferenças entre os sexos e na comunhão entre os mesmos. Num mundo onde características essenciais do sexo são negadas (sua fertilidade, sua dualidade, seus riscos, mistérios e deslumbramentos) e recebemos respostas simplistas de materialistas e ideólogos (quase todos à esquerda), a o livro é muito bem vindo.

A intenção do autor não é ofender, mas fica claro que, num mundo onde desvios das normas sociais impostas pelo complexo academia-governo-mídia são vistos como crimes terríveis, mesmo as críticas sutis do livro a certas tendências em nossa sociedade podem ofender certos grupos (LGBT, pró-aborto, hedonistas, e obviamente os anti-religiosos ou anti-católicos). Portanto, se você pertence a algum desses grupos, prepare-se para uma leitura cativamente e desafiadora, mas possivelmente desconcertante e desconfortável.

A falha do livro, se é que se pode usar o termo, reside justamente em algo que o autor não se propôs a fazer: explorar com real profundidade a questão da carne no seu aspecto místico de acordo com a ortodoxia. O autor aponta para essa necessidade, mas se reconhece incapaz de saná-la. Teremos que esperar por alguém mais capaz para nos aprofundarmos na questão, já que o livro se aproxima de um ensaio, embora tenha suas 250 páginas.

Por fim, tem-se uma certa dificuldade com a tradução: o autor usa e abusa de trocadilhos intraduzíveis e de uma ironia que funciona bem no francês, mas é simplesmente confusa em outras línguas. Ainda assim, o estilo é agradável e a leitura, apesar de passar por grandes e complexos luminares do pensamento ocidental, de Platão a Heidegger, é ainda assim prazerosa e acessível.

Sagarana, de João Guimarães Rosa

Neste ano coloquei minhas leituras de Literatura brasileira em ordem, e finalmente conheci a obra de Guimarães Rosa. Não sabia realmente o que esperar e me surpreendi agradavelmente.

Guimarães Rosa a princípio parece ser mais um regionalista na linha de autores um pouco anteriores (Graciliano Ramos, Rachel de Queirós, Jorge Amado), mas depois de poucas páginas já se começa a perceber o primoroso trato que ele tem com a palavra: ele mascara, revela, eleva, renova e expande a palavra de forma surpreendente, recorrendo a arcaísmos, neologismos e ao uso criativo do léxico sertanejo e sertanejo-inventado, de modo desnorteante e elucidador. Até então não tinha me deparado com uma exploração tão profunda do vocabulário em uma obra de arte (Joyce à parte). Isso, claro, pode tornar a leitura um esforço, mas daqueles que valem à pena.

Outro ponto interessante desse livro de contos e novelas é a exploração da relação do homem com o mistério da existência, não apenas dele próprio mas também da complexa relação entre bem e mal na alma humana e não experiência de vida. O livro tem um aprofundamento filosófico e mesmo místico que com certeza escapa ao entendimento da maioria dos jovens que estão lendo o livro para os vestibulares da Fuvest e da Unicamp, mas que é um tempero especial para quem se interessa pelas tradições esotéricas de todas as religiões.

No mais, o livro é, sim, uma leitura agradável. Além do aprumo da forma e da temática, Guimarães Rosa é um excelente prosador, um contador de histórias de primeira, e com certeza um artista que merecia reconhecimento internacional e um posicionamento de destaque entre os grandes escritores mundiais, e possivelmente o de melhor desta Terra de Vera Cruz.

Minha Vida de Menina, de Helena Morley

A princípio acreditei que a inclusão do livro no vestibular da Fuvest fosse um esforço mais ideológico do que derivado do valor intrínseco da obra. Afinal, é uma obra escrita por uma mulher (o que interessaria à Academia, com sua tendência feminista cada vez mais militante) e um diário (escapando das normais exigências das provas, de romance e poesia). Mas que bela surpresa foi!

O livro é, de fato, um diário, escrito por Alice Dayrel Caldeira Brant sob o pseudônimo de Helena Morely, na época que ela era uma menina vivendo em Diamantina no fim do século XIX. Menina espevitada, observadora e com resposta para tudo, seu olhar ilumina as transformações radicais que o Brasil passou no período, com o fim da Escravidão, do Império, e a violenta República das Espadas. É, por isso só, um documento de valor histórico valiosíssimo, ainda se levarmos em conta que o texto foi editado (sem que possamos saber a extensão dessas edições).

A escrita é uma delícia, e a menina é um amor de pessoa. Além disso, encontramos diversas personagens interessantíssimas, com destaque especial para a D. Teodora, avó de Helena e uma pessoa adorável. O mundo é também cruel, e a menina relata episódios de racismo e violência tola, mas aponta também para um mundo mais simples e comunitário, com suas belezas hoje já perdidas, apagadas pelo movimento de atomização do indivíduo e destruição dos laços familiares.

Que saudade que o livro dá de coisas que não tivemos a oportunidade de ter!


A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós

Eça é o Ó. Como outros autores da época, foi influenciado por todas aquelas tendências rançosas do final do século XIX: ateísmo, positivismo, cientificismo, anti-clericalismo, socialismo... todos os ismos detestáveis que ainda nos perturbam. Tudo isso fica claro principalmente na obra que a Fuvest exige para 2019, A Relíquia, que é uma das leituras mais sofridas que fiz na minha vida, de um anti-catolicismo datado e cansativo. Por isso mesmo a inclusão de A Cidade e as Serras nesta lista que faço é relevante.

O livro trata da relação entre as novidades e modas das grandes cidades (no livro representadas por Paris) e os prazeres simples da vida no campo (as serras de Portugal). Isso por si só parece uma quebra com o Realismo, quase sempre urbano, progressista, se contrapondo aos costumes antiquados e à superstição do modo de vida campestre, onde todos ainda são religiosos e desconfiados. A explicação vem da época da publicação: a obra é póstuma, e Eça, no final de sua vida, já estava cansado das modinhas realistas que ajudou a popularizar e começava a se dar conta de que ele mesmo era, no fundo, português.

O resultado é um livro que contém uma prazerosa elevação dos costumes tradicionais, do agrarianismo, da simplicidade, e todos aqueles demais valores que ainda restavam do Arcadismo já desfalecido. Logo, é uma lufada de ar fresco sobre esses ranços urbanistas dos séculos passados, que tanto causaram sofrimento ao arrancar o homem de seu habitat natural e lançá-lo no concreto, escravo de seus instintos desarraigados e adotados pela sociedade de  consumo.

Claro que muita gente não chegará a essas conclusões lendo o livro, preferindo as platitudes recomendadas pelos professores de cursinho, o que provavelmente é uma boa ideia para aqueles que querem passar no vestibular. Mas para quem não sofre mais com essas exigências, fica a oportunidade de explorar esse lado de Eça que pouco é mencionado, lado esse que quase exime sua obra, indubitavelmente primorosa, mas manchada por ideologias caducas.

A idéias conservadoras, de João Pereira Coutinho

Qual a diferença entre um esquerdista e um conservador? Vinte anos.

A piada acima, que vi pela primeira vez em inglês (onde o termo que eu traduzi por esquerdista era “liberal”, que tem outro sentido em português) se baseia no fato de que a marcha da esquerda nunca para, e que posições que hoje são defendidas pelos conservadores eram, há vinte anos, bandeiras dos progressistas. Basta comparar as propostas de Donald Trump hoje com as do governo de Bill Clinton e perceber que eles têm mais em comum do que de diferente, apesar do desespero da mídia toda vez que o atual presidente diz algo geralmente inócuo, mas com a delicadeza de um elefante bêbado.

Um remédio contra a degradação aparentemente irreparável dos ideais da direita pode estar neste livro de João Pereira Coutinho, que retoma os Conservadorismos (sim, no plural) originais, em especial o de Edmund Burke, lembrando a direita que o Conservadorismo como escola de pensamento surge em reação à Revolução Francesa e está obviamente contra toda forma de revolução, inclusive àquelas propostas pela direita reacionária. O Conservador, segundo Coutinho, é um cético cuidadoso, até mesmo pessimista, que prefere cuidar do que há de bom e mudar lentamente, sempre com um pé atrás. Segundo ele, é essa cautela que falta aos conservadores de hoje, ora traidores que são esquerdistas em tudo menos nome, ora engessados em costumes do passado que, na verdade, são estranhos ao conservadorismo. Ou seja, o conservador não deve nem se render à posição Revolucionária nem à posição Reacionária, sendo antes de tudo um administrador do possível, navegando os mares da política cuidando que o navio da civilização não naufrague.

Me convenceu? Não. Embora possa respeitar a posição dos conservadores, olho à minha volta e vejo pouco a conservar, já que as vitórias da esquerda foram, de fato, arrasadoras. Me posiciono, sim, com os Reacionários, e me sinto em melhor companhia com Dávila e Chesterton do que com Burke e Scruton. Mas vale muito à pena ler esse livro, para que se possa criticar o conservadorismo sem recorrer a espantalhos, e mesmo verificar que há muito de válido no pensamento deles.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Rebirth

It was a night like many others, when the sky is dark and thick like old blood. The timeless stars roamed the vast void, now and again clouded by heavy, doom-laden clouds. It was March, and the president, like Caesar, feared for knives cloaked in praises and honeyed words.

Alberto Casares had been elected by the people - the poor, prejudiced, mobish and sacred people - to bring back a forgotten age of greatness, one that had been rekindled in their imagination by this shaper of words, a former bard tuned politician turned messiah. He brightened their wretched lives with tales of heroes and kings of old, great man and women who shared their blood and soil, who lived still in them.

He talked of the voice in the blood, the thick, dark, sky-like blood of liberators and tyrants, knights and knaves, saints and whores. To a people used to hearing about the economy, it sounded like thunder in the void. He tore the thread, halted the march of History, and put black boots and golden cloaks back on the streets. Fear and Glory once again prowled the late vigils of the night, and invaded the dreams of the corrupt and weak.

Alberto Casares was a warrior poet.

But neither warriors nor poets are meant for the throne. They must die in battle, become martyrs for the cause, and live in Eternity the life that was denied to them; lest they fade slowly and are consumed by the perpetual procession of the hours. Casares was no simple-minded prophet, however, and this settled his doom. He ruled well, kept people fed, got the economy back on track, and looked magnanimous on posters. Straw mattresses were now filled with the white feathers of swans and covered with the softest silk. And even though life had never been better, the people were not content.

Against the backdrop of star-lit vastness, a candle lamp glowed over a stack of papers. Contracts, executive orders, subpoenas. The unseen world of bureaucracy, hidden behind the flair, gold, and bone-white smiles. He stared at them, hunched over them, while he dreamed of kings and set himself up to their measure, finding himself wanting. Why, he thought, why did it go so wrong?

Down below from the star-gazed stars gazing down lay the city, its many beds laden with those many bodies and minds, and inside the thick blood, dreaming of glory promised but never delivered. With a new fire building up inside they dreamed of kings, yet found they had a president; of swords, yet carried guns; of dragons, yet worried about Mondays; of God, yet found only ephemeral flesh.

And between snores they cursed their ruler.

When awake, things went on as usual. Life always goes on as usual. But how long would this fire be contained?, the president thought. How long will they still go on about as usual, while the world freezes in conformity? I promised them fire, he thought, so why can I not deliver the flame and brighten up the night?

It must be stated that he tried, hard, to make the world what he would like it to be. He did not read any political treatise, but the old epics, and sang no song whose words he could understand. He wore a suit, but always over a hairshirt. He shaved, but not like a bureaucrat, but like a legionnaire. And he slept, but little, always on the floor, always hungry, always on edge. He worked at all hours, for even his dreams where his people's. He was the living ideal he aspired them to look up to. And yet, coals where the fire should be. How to rekindle them?

He gazed at the stars, the same stars that his ancestors gazed upon, dead like them, but more alive than anyone breathing down below. He read, sang, and dreamed of kings and emulated them, but had he been thinking like them? What would they do in a situation such as this? Declare war against an enemy, to awaken the numbed will of his people? Design and build great projects, walls and bridges? What about the largest temple in the world, dotted with the sculptures depicting the great men of ages past?

And as he pondered those things, his mind’s eye was captured by Ulisses. King, sailor, adventurer, avenger. Old, cruel, beautiful and industrious Ulisses, sleeping on the floor with goats, working the rig with his men, facing certain doom with trembling and passion, for he did not value his own life so muh that he’d risk not living it for the sake of a longer stay on Earth.

And from him and like men Greece flowed.

Alberto Casares looked down to his city. And he looked down on his city.

He thought of the men and women down there. The fire burning in their hearts, as they slept under silk sheets. Their hearts, hard and wanting, resting on soft matresses. The ancient skies called out to them, but they shut them out with well-cared-for roofs.

The fault was not Alberto Casares’s. The fault was Alberto Casares's people’s.

He ruled well, kept people fed, got the economy back on track. The people joined a golden age of comfort, with its pleasures, with its sins. They grew as soft as that age, and weak, entitled, spoiled.

He gave them a Golden Age when they needed a Dark Age.

The president understood his failure. He should have been a simple-minded prophet, an utter  fool even. He should have crashed the economy, made his people starve and sleep on the hard floor under the endless, timeless, star-like gaze of their ancestors. Then they would remember.

Had he been a martyr, his people would be better off. So, what about a million martyrs?, he thought.

Trembling, he reached for the lamp that lit unworthy, dead words. He raised it to the sky, with a libation, and let it fall and then rise, to cover himself, his city, the world.

sábado, 14 de outubro de 2017

Baroness in bloom

A fresh silk flower, her scent floundering
-- the fiery sweet fumes of frothing youth --
the saintly whore saunters, on two feet soaring,
our seeing eyes searing, deep lust summoning.

Her white skin, wan -- in my dreams, warm --,
in waves of gold walloing -- our eyes wavering --
does her hale hair a halo make,
or horns for souls hanging, beckoning of Hell...

Barging comes the bedlam, the basting heat
of blue eyes like battalions -- the gaze of bayonets.
Barely barred souls are laid bare,
the surrendered beach beholds the conquering baroness.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

The search for love

The vast blue sphere of Earth I walked alone
and saw mankind strewn across the world.
From multitudes of folk, both high and low,
the passioned hearts of man I saw unfurled

And man and women both were wont to love:
in every cranny, under every stone,
did every hand seek after its own glove;
In every heart had love her fitting throne.

But the bridal chamber’s doors were often shut,
for love is rare (though love of love is not)
And grew on the tracks the grass, on it no rut:
The rider never comes, the heart’s distraught.

The truth do see though, to despair do not run:
and know that a loving heart is itself the Sun.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

A lâmina do tempo

Busco-te, mas não nas pontes altas,
sobre rios violentos, rumorosos.
Não quero o leito de lençóis aquosos:
Tu, Ligéia, a ânsia em mim não exaltas.

Busco-te, mas não no gélido fio
da lâmina de aço sobre vermelho.
Não que me falte, p’ra ferir, o brio,
nem me assuste no corpo mais um talho.

Mas é que me incomoda tanto alarde,
nem parece que a empreitada o demande.
Quero tu, que lentamente devoras

não no breve ato, coragem covarde,
que é fuga vil de mal tão grande,
mas na pálida sucessão das horas.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Ode III

Her arms, her legs, her back
her lips, her ears, her nose
her hair like streams of gold
all I saw, and then I saw her eyes
and then her eyes were all I saw
and all things after that
I saw for the first time

Ode II

I heard in the afternoon the song of birds
they hid in the afternoon, the singing birds
but I knew the color of their feathers
because I heard the color of their songs

Perene

Sua filha Sofia sofria só, filha.

sábado, 10 de junho de 2017

Maturidade

Ô.

Ô.

Ô.

Otário.

sábado, 3 de junho de 2017

Rage

The snakes in me
they twirl
below my heart
knitting with my bowels the fire
that boils my innards
that slithers upwards

That explains the knot in my throat
That explains the blood in my eyes

A feast

The white of her eyes:
the milk of my morning
The black of her iris:
my coffee

When hunger strikes
I take a bite
of the music on her lips
This bread that she is
God, it leavens me

The food of love,
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