segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

(Meus) livros favoritos de 2015


E 20014 terminou. Nesse ano consegui bater meu recorde de livros lidos e, felizmente, não apenas numericamente mas também na qualidade. Decidi fazer, como fiz no ano passado, uma lista dos meus favoritos desse ano, para ser ignorada como aquela. A lista não consta os MELHORES livros que eu li, mind you, apenas meus favoritos. Ah, e eles estão arbitrariamente organizados, porque esse negócio de listinha com primeiro colocado simplesmente não dá mais.



Jonathan Strange and Mr. Norrel, de Susanna Clarke



Um dos livros mais divertidos que eu já li. Inglaterra, século 19: séculos depois do sumiço do Raven King, que trouxe a magia para o “nosso” mundo, a prática de mágica deixou de existir e todos os magos existentes são apenas teóricos. No entanto, dois homens totalmente diferentes decidem voltar a praticar magica: Gilbert Norrell e Jonathan Strange, que não tem nada em comum e, em certos pontos, são até inimigos, mas que tem uma coisa em comum: um interesse obsessivo pela magia.
A autora brinca com as tradições literárias Inglesas, principalmente as românticas, fazendo referências veladas diversas a autores como Jane Austen e Horace Walpole. Ela ainda adiciona diversas notas de rodapé que explicam acontecimentos anteriores àqueles do livro e dão mais cor à história (esses rodapés, com seus livros inventados, me lembraram das brincadeiras de Borges).
A descrição mais curta que eu poderia dar para esse livro é “Harry Potter para adultos”; mas como a história pode também ser lida por crianças, assim como Harry Potter pode ser lido por adultos, acho que a descrição não cabe, mas fica, já que ela me veio tão naturalmente à cabeça. Até onde vi, não foi traduzido para o português (baita mancada).



Grendel, de John Gardner



A premissa é simples: a história do poema Beowulf contada pelo ponto de vista do monstro Grendel. Mas a simplicidade para por aí, pois o livro é repleto de camadas e sutilezas que exigem cuidado, e que, quando analisadas, revelam tesouros. Apesar de ir fundo em vários assuntos (como a procura de significado para a vida, o papel da arte e moralidade) o livro é muito divertido e fácil de ler, o que ajuda. É como uma palestra, ou uma roda de discussão entre filósofos, só que na voz de um monstro.

O estilo de Gardner ajuda bastante também; é bom ler de vez em quando algo que é BEM escrito, e perceber o peso e valor de cada frase.



Stoner, de John Williams



Um dos livros mais deprimentes que eu já li, mas não tanto quanto eu esperava, de acordo com reviews que li por aí. O livro conta a história de William Stoner, que começa com a sua vida na fazenda dos pais (um negócio oco e silencioso que lembra Vidas Secas), sua ida para a faculdade, o noivado mais errado da história da Literatura... enfim, sua vida, repleta de sofrimento, decepções, e uma e outra alegria aqui e ali só para fazer sombra nos pontos mais escuros. A vida de Stoner parece comum, sem grandes acontecimentos, tediosa. No subsolo, no entanto, ele nunca tem paz, sendo atacado por todos os lados e se defendendo como pode. 



Catch 22 (Ardil 22), de Joseph Heller



Este é provavelmente o livro mais absurdo que eu já li. Não, sério, é genialmente absurdo ao ponto de eu ter que parar a leitura de vez em quando para tomar fôlego. Nesses momentos eu chegava a me perguntar “Como isso é possível?”. Catch-22 é daqueles livros que são tão geniais que nos perguntamos se eles foram realmente escritos.
Yossarian é um soldado americano estacionado na ilha de Pianosa com vários outros. Ele é piloto e tem que voar um determinado número de missões para poder voltar para casa. O problema é que seu superior, Coronel Cathcart, constantemente aumentar o número de missões necessárias, de modo que Yossarian começa a ver que ele nunca conseguirá se livrar da guerra. Aí ele começa a elaborar os mais absurdos métodos para escapar, planos que vão envolver praticamente todos os demais personagens do livro.
Mas Yossarian não é o único personagem de interesse. Na verdade, o elenco de tipos absurdo que Joseph Heller criou são o grande trunfo da obra. São muitos personagens (ao ponto de o leitor se confundir com frequência), e várias histórias entrelaçadas, todas tendo em comum o absurdo; a forma do autor criticar aquele outro absurdo, da Guerra. A narração é não-cronológica e cada capítulo foca um personagem, o que atrapalha um pouco a leitura, mas nada de outro mundo.
Foi o livro mais hilário que eu já li, mas é cheio de partes sombrias, já que o autor claramente denuncia o absurdo da Guerra, narrando o esforço dos personagens em manter a sanidade no meio do absurdo. E ele até responde como isso pode ser feito. Foi também o livro que mais me fez chorar. É outro que merece ser relido várias vezes.



A Confederacy of Dunces (Uma Confraria de Tolos), de John Kennedy Toole



Depois de Catch 22, é o livro mais insano que já li. Narra a odisseia de Ignatius Reilly, um cara extremamente inteligente e igualmente sedentário que vive às custas da mãe, e que é forçado a procurar um emprego depois que ela se cansa das muitas idiossincrasias do filho. Ignatius é um homem medieval, leitor de São Tomás de Aquino e Boécio, e vê nos acontecimentos que o afligem durante o livro as terríveis reviravoltas da Fortuna.

Através de tipos bizarros que se cruzam das mais variadas formas, o autor consegue pintar um quadro bastante interessante de New Orleans e criticar tudo e todos. Os primeiros capítulos parecem revelar nada além de um grande caos que até torna a leitura difícil. Eventualmente, no entanto, as relações entre os personagens vão se revelando, e aos poucos o leitor percebe que tudo está muito bem conectado.

O grande trunfo do livro, no entanto, é realmente o personagem principal, que apesar do seu enorme egoísmo e ilusão de grandeza é extremamente carismático. Poucos personagens conseguem tirar tantas risadas do leitor como ele.



Battle Royale, de Koushun Takami



“Esse livro? Sério?”, alguém pode dizer. Apesar dos seus defeitos, muitos dos quais podem ou não ser decorrentes da tradução, Battle Royale é extremamente cativante.
Trata-se da história de uma turma de ensino fundamental que é sequestrada, levada para uma ilha e forçada a participar de um jogo sádico: cada estudante recebe um kit de sobrevivência que contém uma arma (desde tacos de baseball até metralhadoras) e são informados que terão que se matar uns aos outros, já que só um poderá sair da ilha.
A partir dessa premissa bizarra e mal elaborada o autor consegue prender o leitor pelas mais de 600 páginas. É um thriller intenso, focado nos personagens, na maioria bem desenvolvidos; claro que, com mais de 40 personagens, fica difícil dar profundidade suficiente a todos, mas o autor fez o melhor que pode e alcançou sucesso: você começa a se importar com o destino dos adolescentes e fica com um aperto no coração com o fim da história.



The Napoleon of Notting Hill (O Napoleão de Notting Hill), de G. K. Chesterton



Até pensei em colocar The Man Who Was Thursday aqui, já que é mais famoso e, convenhamos, mais interessante. Mas The Napoleon of Notting Hill teve mais impacto em mim, já que a mensagem dele é o que eu precisava.
No futuro (que seria nosso passado, 1984) a monarquia se tornou uma loteria, e o sorteado da vez é o brincalhão Auberon Quin, que como primeira ação como rei decide transformar cada bairro de Londres em uma cidade, com muros, portões, bandeiras, exércitos... essa é a idéia que ele tem de diversão. Os cidadãos são obrigados a viver de acordo com o embuste, que toleram. Um deles, no entanto (Adam Wayne), que era criança quando tudo aconteceu, leva tudo a sério. A partir desse começo absurdo a história avança, e é impossível não gostar cada vez mais de Wayne.
Entre outras coisas, o livro é um elogio do espírito romântico que, segundo Chesterton, é natural do Cristianismo: coragem, um amor tão grande pela vida que não tem medo da morte.



The Neverending Story (A História sem Fim), de Michael Ende



Levei uns seis meses para ler esse livro. Não que ele seja longo ( a edição brasileira tem menos que 400 páginas), mas MUITA coisa acontece, coisas surpreendentes para um livro infantil. Eu esperava algo parecido com o filme, e me deparei não apenas com algo bem diferente, mas também mais longo (a história do filme termina antes da metade do livro).
A história é bem conhecida graças ao filme: um menino (Bastian Balthasar Bux, que no livro é gordinho) acaba roubando um livro muito especial de uma livraria, mata aula para lê-lo, e acaba descobrindo o mundo de Fantasia, que está sendo ameaçado pelo “Nada”, que está consumindo o mundo, um pedaço de cada vez. A Imperatriz-Criança manda o jovem Atreyu em busca de uma solução para o problema, e o presenteia com Auryn, o talismã que o declara representante da Imperatriz. Aos poucos, Bastian vai descobrindo que a história tem muito mais a ver com ele do que ele imagina.
Michael Ende várias vezes toca em assuntos difíceis para crianças (e que são pequenos presentes para os adolescentes e adultos lendo a história) e encheu o livro de pequenos detalhes, como o fato de cada capítulo começar com uma letra diferente do alfabeto. Tem gente que lê o livro (escrito nos anos 1970) como uma analogia da condição alemã durante a Guerra Fria, mas prefiro pensar que Ende simplesmente respeitava a inteligência de seus leitores e tratou o único problema que interessa: o ser humano.



Space Trilogy (Out of the Silent Planet, Perelandra, That Hideous Strength)

Trilogia Espacial (Além do Planeta Silencioso, Perelandra, Aquela Força Medonha), de C. S. Lewis



Tá, são três livro, mas todos conectados. Num momento em que as livrarias estão lotadas de trilogias e “sagas” (a dor que dá quando filisteus usam essa palavra errado...) é bom olhar para o passado, para um dos melhores escritores que o mundo já teve no passado recente, e encontrar tesouros como esse.
Lewis é um dos meus escritores favoritos, e boa parte desse meu interesse é o fato de ele ser cristão e conseguir sê-lo sem o suicídio intelectual ao qual quase me obrigaram durante a minha adolescência. E esses três livros são, também, profundamente cristãos, embora isso só fique evidente nos dois últimos livros. Os três livros contam a história de Elwin Ransom (o nome não é por acaso), um filologista que, de férias no interior da Inglaterra, acaba se envolvendo, contra a sua vontade, com um experimento espacial que o levará a Malacandra, o planeta que nós conhecemos como Marte. A partir daí não posso falar mais, com risco de spoilers.
O que eu posso dizer, no entanto, é que Lewis usa a história (interessante e suficiente por si só) para exercitar sua teologia experimental, baseada no “e se...?” ao qual muitas vezes os voltamos. “E se houver vida em outros planetas?”, “e se Deus se revelou a essas formas de vida de outra maneira?”, “e se entrarmos em contato com eles, devemos dar as boas novas?”, entre outras perguntas. Claro, como estamos falando de C. S. Lewis, encontramos referências diversas à filosofia, ciência, mitologia, literatura... mesmo para quem não é cristão, os livros são uma boa pedida.