domingo, 29 de novembro de 2009

Heterocromia

Foi nos olhos de minha amada que entendi a dicotomia no amor. Ela tinha, como de praxe, dois olhos, que lhe eram mais espelhos que janelas, fechada em si como todo crente. Eu, mergulhador, via em suas íris as tonalidades dos seus dias e os fragmentos de tímidas aventuras diárias calcadas em padrões e variáveis calculáveis até pelo amador. Os mistérios do meu amor não estavam em seu rosto, mas algo nesses receptáculos de luz multicolorido me chamava a atenção para algo além, e, se me conhecem, sabem que transcender é um vício do qual nunca me abstive.

Heterocromia é o nome dado à natureza bicolor dos olhos da minha inimiga. No esquerdo habitava o mar, o azul, e nele afundei-me; nele nadei e me perdi; encontrei-me e nada encontrei nas profundezas daquele lago. Também enfrentei o magma resfriado do âmbar do olho direito daquela que amei e que nunca me amou, e era como uma parede que jamais atravessei; vi que essa era a essência do órgão, decidi não desafiar a natureza.

Passei por pupila, íris, córnea, cristalino, retina, ligações nervosas, cheguei ao cérebro, à memória, à alma. Viajei, fui herói, nada vi que pudesse relatar; talvez nada houvesse, talvez fosse cego.

E desse modo compreendi que na profundeza ou na superficialidade não há nada a ser encontrado nos olhos desta ou das outras que me torcem, contorcem, distorcem, quando meramente me refletem por janelas fechadas ou abertas para uma casa vazia.