E 20014 terminou. Nesse ano consegui bater meu recorde de
livros lidos e, felizmente, não apenas numericamente mas também na qualidade.
Decidi fazer, como fiz no ano passado, uma lista dos meus favoritos desse ano,
para ser ignorada como aquela. A lista não consta os MELHORES livros que eu li,
mind you, apenas meus favoritos. Ah, e eles estão arbitrariamente organizados,
porque esse negócio de listinha com primeiro colocado simplesmente não dá mais.
Jonathan Strange and Mr. Norrel, de Susanna
Clarke
Um dos livros mais divertidos que eu já li. Inglaterra,
século 19: séculos depois do sumiço do Raven King, que trouxe a magia para o “nosso”
mundo, a prática de mágica deixou de existir e todos os magos existentes são
apenas teóricos. No entanto, dois homens totalmente diferentes decidem voltar a
praticar magica: Gilbert Norrell e Jonathan Strange, que não tem nada em comum e, em certos pontos, são até inimigos, mas que tem uma coisa em comum: um
interesse obsessivo pela magia.
A autora brinca com as tradições literárias Inglesas,
principalmente as românticas, fazendo referências veladas diversas a autores
como Jane Austen e Horace Walpole. Ela ainda adiciona diversas notas de rodapé
que explicam acontecimentos anteriores àqueles do livro e dão mais cor à
história (esses rodapés, com seus livros inventados, me lembraram das
brincadeiras de Borges).
A descrição mais curta que eu poderia dar para esse livro é “Harry
Potter para adultos”; mas como a história pode também ser lida por crianças,
assim como Harry Potter pode ser lido por adultos, acho que a descrição não
cabe, mas fica, já que ela me veio tão naturalmente à cabeça. Até onde vi, não
foi traduzido para o português (baita mancada).
Grendel, de John
Gardner
A premissa é simples: a história do poema Beowulf contada
pelo ponto de vista do monstro Grendel. Mas a simplicidade para por aí, pois o
livro é repleto de camadas e sutilezas que exigem cuidado, e que, quando analisadas,
revelam tesouros. Apesar de ir fundo em vários assuntos (como a procura de
significado para a vida, o papel da arte e moralidade) o livro é muito
divertido e fácil de ler, o que ajuda. É como uma palestra, ou uma roda de
discussão entre filósofos, só que na voz de um monstro.
O estilo de Gardner ajuda bastante também; é bom ler de vez
em quando algo que é BEM escrito, e perceber o peso e valor de cada frase.
Stoner, de John
Williams
Um dos livros mais deprimentes que eu já li, mas não tanto
quanto eu esperava, de acordo com reviews que li por aí. O livro conta a
história de William Stoner, que começa com a sua vida na fazenda dos pais (um
negócio oco e silencioso que lembra Vidas Secas), sua ida para a faculdade,
o noivado mais errado da história da Literatura... enfim, sua vida, repleta de
sofrimento, decepções, e uma e outra alegria aqui e ali só para fazer sombra
nos pontos mais escuros. A vida de Stoner parece comum, sem grandes
acontecimentos, tediosa. No subsolo, no entanto, ele nunca tem paz, sendo
atacado por todos os lados e se defendendo como pode.
Catch 22 (Ardil 22), de Joseph Heller
Este é provavelmente o livro mais absurdo que eu já li. Não,
sério, é genialmente absurdo ao ponto de eu ter que parar a leitura de vez em
quando para tomar fôlego. Nesses momentos eu chegava a me perguntar “Como isso
é possível?”. Catch-22 é daqueles livros que são tão geniais que nos
perguntamos se eles foram realmente escritos.
Yossarian é um soldado americano estacionado na ilha de Pianosa
com vários outros. Ele é piloto e tem que voar um determinado número de missões para
poder voltar para casa. O problema é que seu superior, Coronel Cathcart,
constantemente aumentar o número de missões necessárias, de modo que Yossarian
começa a ver que ele nunca conseguirá se livrar da guerra. Aí ele começa a
elaborar os mais absurdos métodos para escapar, planos que vão envolver
praticamente todos os demais personagens do livro.
Mas Yossarian não é o único personagem de interesse. Na
verdade, o elenco de tipos absurdo que Joseph Heller criou são o grande trunfo
da obra. São muitos personagens (ao ponto de o leitor se confundir com
frequência), e várias histórias entrelaçadas, todas tendo em comum o absurdo; a
forma do autor criticar aquele outro absurdo, da Guerra. A narração é
não-cronológica e cada capítulo foca um personagem, o que atrapalha um pouco a leitura, mas nada de outro mundo.
Foi o livro mais hilário que eu já li, mas é cheio de partes
sombrias, já que o autor claramente denuncia o absurdo da Guerra, narrando o
esforço dos personagens em manter a sanidade no meio do absurdo. E ele até
responde como isso pode ser feito. Foi também o livro que mais me fez chorar. É
outro que merece ser relido várias vezes.
A Confederacy of
Dunces (Uma Confraria de Tolos), de John Kennedy Toole
Depois de Catch 22, é o livro mais insano que já li. Narra a
odisseia de Ignatius Reilly, um cara extremamente inteligente e igualmente
sedentário que vive às custas da mãe, e que é forçado a procurar um emprego
depois que ela se cansa das muitas idiossincrasias do filho. Ignatius é um
homem medieval, leitor de São Tomás de Aquino e Boécio, e vê nos acontecimentos
que o afligem durante o livro as terríveis reviravoltas da Fortuna.
Através de tipos bizarros que se cruzam das mais variadas
formas, o autor consegue pintar um quadro bastante interessante de New Orleans
e criticar tudo e todos. Os primeiros capítulos parecem revelar nada além de um
grande caos que até torna a leitura difícil. Eventualmente, no entanto, as relações
entre os personagens vão se revelando, e aos poucos o leitor percebe que tudo
está muito bem conectado.
O grande trunfo do livro, no entanto, é realmente o
personagem principal, que apesar do seu enorme egoísmo e ilusão de grandeza é
extremamente carismático. Poucos personagens conseguem tirar tantas risadas do
leitor como ele.
Battle Royale, de
Koushun Takami
“Esse livro? Sério?”, alguém pode dizer. Apesar dos seus defeitos,
muitos dos quais podem ou não ser decorrentes da tradução, Battle Royale é
extremamente cativante.
Trata-se da história de uma turma de ensino fundamental que
é sequestrada, levada para uma ilha e forçada a participar de um jogo sádico:
cada estudante recebe um kit de sobrevivência que contém uma arma (desde tacos
de baseball até metralhadoras) e são informados que terão que se matar uns aos
outros, já que só um poderá sair da ilha.
A partir dessa premissa bizarra e mal elaborada o autor
consegue prender o leitor pelas mais de 600 páginas. É um thriller intenso,
focado nos personagens, na maioria bem desenvolvidos; claro que, com mais de 40
personagens, fica difícil dar profundidade suficiente a todos, mas o autor fez
o melhor que pode e alcançou sucesso: você começa a se importar com o destino
dos adolescentes e fica com um aperto no coração com o fim da história.
The Napoleon of Notting Hill (O Napoleão de Notting
Hill), de G. K. Chesterton
Até pensei em colocar The Man Who Was Thursday aqui, já que
é mais famoso e, convenhamos, mais interessante. Mas The Napoleon of Notting
Hill teve mais impacto em mim, já que a mensagem dele é o que eu precisava.
No futuro (que seria nosso passado, 1984) a monarquia se
tornou uma loteria, e o sorteado da vez é o brincalhão Auberon Quin, que como
primeira ação como rei decide transformar cada bairro de Londres em uma cidade,
com muros, portões, bandeiras, exércitos... essa é a idéia que ele tem de
diversão. Os cidadãos são obrigados a viver de acordo com o embuste, que
toleram. Um deles, no entanto (Adam Wayne), que era criança quando tudo
aconteceu, leva tudo a sério. A partir desse começo absurdo a história avança,
e é impossível não gostar cada vez mais de Wayne.
Entre outras coisas, o livro é um elogio do espírito
romântico que, segundo Chesterton, é natural do Cristianismo: coragem, um amor
tão grande pela vida que não tem medo da morte.
The Neverending Story
(A História sem Fim), de Michael Ende
Levei uns seis meses para ler esse livro. Não que ele seja
longo ( a edição brasileira tem menos que 400 páginas), mas MUITA coisa
acontece, coisas surpreendentes para um livro infantil. Eu esperava algo
parecido com o filme, e me deparei não apenas com algo bem diferente, mas
também mais longo (a história do filme termina antes da metade do livro).
A história é bem conhecida graças ao filme: um menino (Bastian Balthasar Bux, que
no livro é gordinho) acaba roubando um livro muito especial de uma livraria,
mata aula para lê-lo, e acaba descobrindo o mundo de Fantasia, que está sendo
ameaçado pelo “Nada”, que está consumindo o mundo, um pedaço de cada vez. A
Imperatriz-Criança manda o jovem Atreyu em busca de uma solução para o
problema, e o presenteia com Auryn, o talismã que o declara representante da
Imperatriz. Aos poucos, Bastian vai descobrindo que a história tem muito mais a ver com ele do que ele imagina.
Michael Ende várias vezes toca em assuntos difíceis para
crianças (e que são pequenos presentes para os adolescentes e adultos lendo a
história) e encheu o livro de pequenos detalhes, como o fato de cada capítulo
começar com uma letra diferente do alfabeto. Tem gente que lê o livro (escrito
nos anos 1970) como uma analogia da condição alemã durante a Guerra Fria, mas
prefiro pensar que Ende simplesmente respeitava a inteligência de seus leitores
e tratou o único problema que interessa: o ser humano.
Space Trilogy (Out of the Silent Planet,
Perelandra, That Hideous Strength)
Trilogia Espacial
(Além do Planeta Silencioso, Perelandra, Aquela Força Medonha), de C. S. Lewis
Tá, são três livro, mas todos conectados. Num momento em que
as livrarias estão lotadas de trilogias e “sagas” (a dor que dá quando
filisteus usam essa palavra errado...) é bom olhar para o passado, para um dos
melhores escritores que o mundo já teve no passado recente, e encontrar tesouros como esse.
Lewis é um dos meus escritores favoritos, e boa parte desse
meu interesse é o fato de ele ser cristão e conseguir sê-lo sem o suicídio
intelectual ao qual quase me obrigaram durante a minha adolescência. E esses três
livros são, também, profundamente cristãos, embora isso só fique evidente nos
dois últimos livros. Os três livros contam a história de Elwin Ransom (o nome
não é por acaso), um filologista que, de férias no interior da Inglaterra,
acaba se envolvendo, contra a sua vontade, com um experimento espacial que o
levará a Malacandra, o planeta que nós conhecemos como Marte. A partir daí não
posso falar mais, com risco de spoilers.
O que eu posso dizer, no entanto, é que Lewis usa a história
(interessante e suficiente por si só) para exercitar sua teologia experimental,
baseada no “e se...?” ao qual muitas vezes os voltamos. “E se houver vida em
outros planetas?”, “e se Deus se revelou a essas formas de vida de outra
maneira?”, “e se entrarmos em contato com eles, devemos dar as boas novas?”,
entre outras perguntas. Claro, como estamos falando de C. S. Lewis, encontramos
referências diversas à filosofia, ciência, mitologia, literatura... mesmo para
quem não é cristão, os livros são uma boa pedida.