Os olhos dela se apagavam, acompanhando o pôr do sol. O cinza em torno da íris se tornava cada vez mais escuro e pálido, enquanto todo o resto parecia dizer adeus ao mundo apenas porque o dia terminava. Vi as formas de seu rosto desaparecerem perante mim, e guardei aquelas linhas por alguns instantes após o anoitecer, mas elas me fugiram, embora minha amada continuasse na mesma posição. Sentia ainda sua presença, seu cheiro, e essa percepção física me consolava do fato de sua mente estar, para mim, para sempre, fechada. Desejei mergulhar naqueles olhos e buscar aquilo que um dia tive (ou acreditei ter), mas não mais via as janelas, cuja cor eu sabia não ser cinza. Longe dos seus braços, recostado em uma árvore de casca áspera e incompreensiva, adormeci um sono rude e inconsistente. Não sonhei, ou não me lembrei. Quando acordei, alguns minutos depois, percebi, sem ver, que ela não estava mais lá. Esperei que meus olhos se acostumassem com a escuridão, e então notei que sob o céu de estrelas inclementes e sem lua o campo continuava o mesmo onde ela me disse coisas que jamais sairiam da minha memória. Levantei, cambaleei, segui meu caminho através da trilha lamacenta.
Em algum momento da noite sonhei. Revivi meses em horas, momentos bons e ruins, coisas que havia, acredite, esquecido. No sonho havia o terror de nada poder controlar, e imagino que de alguma forma deva ter percebido a semelhança com a vida. Sonhei com ela, comigo, com dias e noites e cheiros e cores e nomes e flores e ódios e dissabores e água e pele e calor e frio e acordei. Acordei com o sol batendo em meu rosto. Era o dia seguinte (assim dizia o jornal que tentei ler mais tarde) e eu preferia que não houvesse amanhecido. Me arrastei para além do lençol bagunçado, senti o frescor do chão ferir meus pés assim como a luz rasgava minhas córneas. Me dirigi ao banheiro como ao matadouro e me joguei embaixo da água fria do chuveiro, para depois perceber que ainda estava semi-vestido. "Meu Deus, preciso acordar", pensei. Me enxuguei, escovei os dentes mais por instinto que por vontade e me vesti com algo que imaginava apropriado. Acredito que comi algo. Deixei o carro na garagem e fui andando para o trabalho, desafiando o sol escaldante da manhã. A fumaça e barulho dos carros não me acordou; pelo contrário, parecia criar uma cortina que minha vontade desmanchava para revelar o espetáculo que havia revisto diversas vezes desde a noite anterior.
"Ela não vai voltar", dizia para mim mesmo, e os transeuntes acompanhavam meu martírio.
death in flowers, de *tonysandoval
3 comentários:
:O. Que liiindo! *-*
Você é um gênio, lindo e merece dois prêmios nobel, rs. Sério, ficou lindo o texto '-'
Ameeeeeei, você é ótimo, se expressa bem, mergulhou na idéia, nossa adorei de verdade! Parabéns... e que venha o próximo rsrsrs =P
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